E
há quem diga que, no futuro próximo, haverá no País mais empreendedores
individuais do que micro e pequenas empresas, que hoje somam 4 milhões.
Silvia
Pimentel
A
pirâmide empresarial brasileira, tal como a pirâmide populacional, também está
mudando de formato. De acordo com dados do Ministério da Indústria, Comércio e
Serviços (MDIC) existem hoje no Brasil mais de 2,6 milhões de Micro
Empreendedores Individuais (MEIs). Até o final do ano, o número deve chegar a
2,8 milhões, segundo estimativas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (Sebrae). E há quem diga que, no futuro próximo, haverá no
País mais empreendedores individuais do que micro e pequenas empresas, que hoje
somam 4 milhões.
Formalização
Os
MEIs, ou a maior parte deles, saíram da economia subterrânea graças à criação
de uma nova modalidade jurídica inserida na legislação do Simples Nacional em
2009. É como se fosse o primeiro degrau da pirâmide desse regime tributário
especial, construído para uma legião de trabalhadores autônomos que vivem à
margem do Estado e, portanto, sem proteção previdenciária e condições para
obter um empréstimo e aumentar o seu negócio.
Os
empreendedores individuais podem obter o CNPJ em minutos por meio de uma
inscrição no Portal do Empreendedor (www.portaldoempreendedor.gov.br),
desenvolver suas atividades na própria residência e pagam mensalmente uma carga
baixíssima de tributos, que vai de R$ 32,10 a R$ 37,10, referentes à
contribuição ao INSS, R$ 31,10 (5% do salário mínimo); Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços (ICMS), R$ 1,00; e Imposto Sobre Serviços (ISS), até
R$ 5,00.
Legalizados,
passam a ter direito aos benefícios previdenciários. O limite de faturamento
anual é de R$ 60 mil desde o início deste ano.
A
modalidade empresarial também é porta de entrada para o chamado
"empreendedorismo de oportunidade".
Um
levantamento do Sebrae mostra que 25% dos empreendedores individuais eram
empregados sem carteira assinada. Outro dado que chama atenção é que 20% dos
brasileiros que se formalizaram como MEIs declararam manter seu emprego. Para o
Sebrae, os resultados da pesquisa feita em julho deste ano, que também
constatou um nível alto de escolaridade entre os inscritos, mostram que há
ainda um contingente expressivo de empreendedores a serem legalizados.
Na
opinião do diretor-técnico do Sebrae, Carlos Alberto dos Santos, o ritmo das
adesões à modalidade jurídica é satisfatório. O portal recebe, em média, três
mil inscrições diárias. "Isso indica que a formalização é um bom negócio,
pois facilita as relações de compra e venda, com a emissão de nota fiscal pelo
MEI", afirma. De 2009 para 2010, o número de inscritos passou de 49.118
para 794.461. Hoje, são 2.605.420 cadastrados nas cerca de 700 atividades
elencadas na legislação.
Esse
fenômeno das formalizações se confunde com a ascensão da chamada nova classe
média. Estima-se que mais da metade dos empreendedores brasileiros (55,2%) está
concentrada na Classe C. "Com o pleno emprego no Brasil, aumenta o número
de pessoas que querem ser donas de seu próprio negócio, deixando de serem
escravas do cartão de ponto nas empresas. É uma das características da nova
classe média brasileira", analisa o diretor do Data Popular, Renato
Meirelles.
Atividades
Os
MEIs, como não poderiam deixar de ser, distribuem-se por centenas de segmentos.
O maior contingente está no comércio varejista de vestuário. Mas esses novos
profissionais espalham-se pelos segmentos de estética, minimercados, bares,
choperias, serviços de eletricista, pedreiro e tantos outros. Da mesma forma,
muitos deles são imigrantes, a começar pelos que vieram da Bolívia, Peru,
Argentina ou Portugal. A seguir, o perfil e o depoimento de oito MEIs.
Rafael dos Reis, chinelo
personalizado.
Uma
pesquisa do Sebrae feita com empreendedores individuais mostrou que 38% deles
tinham carteira assinada antes de inscreverem como MEIs. É o caso do jovem
Rafael dos Reis Tosso, que mantém um emprego com carteira assinada numa empresa
de TI durante a semana, mas também é dono de um pequeno empreendimento em casa.
Rafael
fabrica chinelos de borracha personalizados para complementar a sua renda desde
maio deste ano, quando conseguiu o CNPJ. Entre seus clientes estão pessoas físicas
e empresas interessadas em comprar o produto para oferecer de brinde.
"Posso emitir nota fiscal e acho que ter um CNPJ no cartão de visita é
importante, além de pagar poucos impostos", disse. Antenado, Rafael, que é
formado em Ciências da Computação, fez pesquisa de mercado antes de se tornar
um MEI. As vendas, segundo ele, ainda são modestas, mas ele espera crescimento
com a chamada propaganda boca a boca e também com a página que montou no
facebook.
Márcio, técnico de
computadores.
MEI
é sinônimo de ser livre, segundo a definição do técnico em manutenção de
computadores, Márcio de Souza Silva, que se formalizou no início deste ano e
realiza a atividade na própria residência. Antes de se legalizar, ele
trabalhava no Grupo Linx como auxiliar de almoxarifado.
"Desempregado,
me veio uma luz, um sonho antigo, informática", lembra. Antes de ser
demitido, ele havia feito um curso de configuração e manutenção de computadores
no Senai. Ele esperava atuar nessa área dentro da empresa, o que acabou não
acontecendo.
"O
fato de me tornar empresário, trabalhar de acordo com as leis, ter CNPJ, não
pagar inúmeros e dispendiosos impostos, é tudo de bom", resume.
De
acordo com ele, a legislação permite desenvolver 15 atividades em sua
residência, desde que ligadas ao ramo principal, de técnico em manutenção de
computadores e periféricos. Atualmente, Márcio atende pessoas físicas e,
portanto, não é obrigado a emitir nota fiscal. Mas tem o bloco de notas caso
resolva prestar serviços a pessoas jurídicas. Para ser legalizado, ele paga
mensalmente R$ 37,10.
Roberto de Paula, barbeiro.
Roberto
Aparecido de Paula se cadastrou como MEI há um ano e meio na função de
barbeiro.
Ele
tem um pequeno salão na Vila Sônia, Zona Oeste da capital paulista, e antes de
virar um "empreendedor legal" trabalhava na clandestinidade
diariamente das 7h30 às 19 horas para uma clientela cativa formada basicamente
por homens.
Ele
deixou a chamada economia subterrânea depois de receber visita de uma
consultora do Sebrae, que expôs para ele as vantagens da adesão à figura
jurídica mais famosa do Simples Nacional.
"Hoje,
eu tenho segurança tem termos previdenciários, com direito à auxílio doença e
aposentadoria", afirma.
Rosenilda, esteticista.
Atividades
ligadas à estética estão entre as sete mais procuradas por empreendedores que
pretendem se legalizar. De acordo com pesquisa do Sebrae, em julho deste ano,
eram mais de 47 mil MEIs inscritos nessa atividade. A esteticista Rosenilda
Matos de Jesus faz parte dessa estatística.
Ela
obteve o CNPJ em junho do ano passado, depois de dez anos trabalhando como
autônoma, em idas e vindas na casa de clientes. Passou a atender empresas e
salões mas um obstáculo a preocupou: pessoas jurídicas exigiam nota fiscal.
"Eu me inscrevi como MEI por necessidade", lembra. Hoje, 80% de seus
clientes são empresas.
Na
sua opinião, outra vantagem proporcionada com a legalização é o direito que
passou a ter com a aposentadoria. "Hoje, eu recolho contribuição ao
INSS".
Antes
da decisão de atuar por conta própria, na condição de autônoma, Rosenilda já
tinha trabalhado com carteira assinada por um bom período. "Apesar de
todos os percalços, prefiro administrar meu próprio tempo e oferecer serviços
de qualidade", afirma.
Marcelo Caseli,
cabeleireiro.
O
cabeleireiro Marcelo Caseli vê o direito à aposentadoria e ao auxílio doença
como a principal vantagem oferecida pela legislação que trata da nova figura
jurídica do Simples Nacional.
Ele
resolveu se inscrever no Portal do Empreendedor depois que sofreu um acidente
de moto, o que o o obrigou a se afastar do salão onde trabalhava por 15 anos.
"Acho
que o acidente me motivou a me cadastrar", analisa. Marcelo informou que
soube do programa de formalização criado em 2009 por meio de amigos
cabeleireiros que também foram incentivados a aderir. Essa atividade é a
segunda que mais aparece nos cadastros dos MEIs.
Até
o mês de abril deste ano, as inscrições somavam mais de 115 mil.
Aline, vendedora de roupas.
A
jovem Aline Cristina sempre gostou da área de vendas e já havia trabalhado com
cosméticos e lingerie, o que lhe rendeu uma clientela expressiva. Ela conheceu
as peculiaridades da figura jurídica do MEI durante um estágio de sete meses no
Sebrae.
O
contrato de trabalho expirou e ela decidiu investir parte do salário ganho
nesse período na compra de um lote de 40 calças jeans. E se inscreveu como MEI
em fevereiro deste ano. A ideia era aproveitar a clientela antiga formada com a
venda de cosméticos e lingeries. "Vendi todas as calças em quatro dias e
ainda recebi encomenda de 50 peças", lembra.
Aline
tem atualmente entre 50 e 70 clientes que ela faz questão de cadastrar em seu
computador pessoal. As vendas são feitas nas casas das clientes. Para ter um
preço competitivo, Aline costuma comprar as calças direto na fábrica.
Cecília Baruel, comida
natural.
Com
dois cursos superiores em seu currículo e passagens por empresas como Embraer e
Unilever, Cecília Baruel se inscreveu como MEI em janeiro deste ano. Ela está
produzindo alimento natural e balanceado para cães, já possui 300 clientes e
tem planos para vender o produto, da marca Organicão, em pet shops. "Foi
uma reviravolta na vida ter meu próprio negócio", afirma ela.
A
ideia de se tornar uma microempreendedora surgiu depois de participar de
workshops voltados ao esenvolvimento de potenciais.
O
gosto por cachorros, pela arte de cozinhar e vender resultou no pequeno
empreendimento que ela toca hoje, sozinha, mas que está prestes a mudar de
classificação na pirâmide empresarial. Sim, neste ano, por alguns meses, o
faturamento ultrapassou a casa dos R$ 5 mil. Com isso, ela vai passar de
microempreendedora para microempresária. "Como microempresa, pretendo
contratar funcionários para me ajudar no negócio", adianta.
Welter, dono de uma
bicicletaria.
O
técnico em automação industrial Welter Pereira perdeu o emprego em junho do ano
passado. Mas ganhou autonomia e status de dono do próprio negócio ao abrir uma
bicicletaria na Zona Norte. "Quis aproveitar meu conhecimento em
mecânica", resume.
No
pequeno estabelecimento, ele conserta e vende bicicletas e, por enquanto,
trabalha sozinho, apesar de a legislação que trata da modalidade jurídica do
MEI permitir a contratação de um funcionário.
Cuidadoso,
antes de se tornar um microempreendedor, ele participou de várias palestras
promovidas pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae) e tem planos de continuar a aprender. "Não é fácil ser dono do
próprio negócio. Não tenho chefe cobrando por resultados. Cobro a mim mesmo para
que sobre dinheiro no final do mês para pagar as contas", afirma. Para o
empreendedor, a falta de capital de giro é um dos obstáculos a serem
enfrentados. Hoje, há linhas de crédito especiais para MEIs.
Fonte: Diário do Comércio