Por Laura Ignacio e Fernando
Torres | De São Paulo e de Nova York
Em
decisão surpreendente, a Receita Federal decidiu ressuscitar o padrão contábil
brasileiro antigo, vigente até o fim de 2007. A Instrução Normativa nº 1.397,
publicada ontem, poderá trazer grandes complicações para as empresas que já
aplicavam as normas contábeis internacionais (IFRS), publicadas em 2008, em
seus cálculos fiscais.
Como
não havia uma orientação clara da Receita nem na lei, companhias passaram a
usar as regras que lhes fossem mais vantajosas. Agora, o Fisco determinou que
se apliquem os critérios contábeis anteriores em várias situações. Com isso, em
alguns casos, as companhias poderão ser autuadas por terem pago menos impostos
desde 2008, ao aplicar a IFRS. De acordo com advogados tributaristas, algumas
delas estudam a possibilidade de entrar com ações preventivas na Justiça para
evitar uma possível autuação.
A
Receita Federal optou pelo caminho mais fácil - para ela - e decidiu obrigar as
empresas a manter duas contabilidades separadas: uma para os acionistas e
outros interessados, seguindo o IFRS, e outra para fins tributários, pelo
modelo contábil vigente até a edição da Lei 11.628, de 2007. As empresas terão
de apresentar a Escrituração Contábil Fiscal, uma demonstração financeira
completa, com direito a balanço patrimonial, conta de resultados e mutação do
patrimônio líquido. Tudo duplicado.
Na
Instrução, o Fisco deixa claro que só será isenta a distribuição de dividendos
feita com base no "lucro fiscal", apurado conforme legislação vigente
até 2007, e não o lucro apurado no IFRS, como alguns vinham distribuindo desde
2008.
A
Receita também diz que a dedutibilidade do juro sobre capital próprio (uma
forma de pagamento aos acionistas) será calculada pela incidência da Taxa de
Juros de Longo Prazo (TJLP) sobre o "patrimônio líquido fiscal" e não
sobre o patrimônio societário ajustado pela conta de "ajustes de avaliação
patrimonial", presente apenas no IFRS.
Há
empresas que já procuraram escritórios de advocacia porque passarão a ser mais
tributadas. Para o advogado Diego Aubin Miguita, a Instrução, no que se refere
ao reconhecimento da despesa de juros sobre capital próprio ou dividendos, não
tem base legal e contraria o Código Tributário.
Uso de normas internacionais
pode gerar autuações fiscais
Por Laura Ignacio | De São
Paulo
Uma
norma publicada ontem pela Receita Federal poderá trazer uma série de complicações
e mesmo autuações para empresas que usaram as normas contábeis internacionais
(IFRS) para o cálculo de impostos. Como não há lei e não existia orientação
clara do Fisco sobre o assunto, as empresas passaram a aplicar as normas
contábeis para situações que pudessem resultar em economia fiscal. Com a nova
orientação, a Receita passa a vedar o uso do IFRS, em vigor desde 2008, para o
cálculo de dividendos e juros sobre o capital próprio, por exemplo. Segundo
advogados, algumas empresas já estudam entrar na Justiça para evitar possíveis
autuações da Receita.
Os
detalhes sobre o tema estão na Instrução Normativa nº 1.397. A orientação sai
quatro anos e três meses após a criação do Regime Tributário de Transição
(RTT), instituído em 2009, justamente para neutralizar prováveis impactos
fiscais em razão da adoção pelo Brasil das normas internacionais.
A
instrução deixa claro que as empresas devem considerar os critérios anteriores
à vigência do IFRS para que não tenham os dividendos, recebidos de outras companhias,
tributados. Nesse caso, a Receita definiu que a exclusão de tais receitas deve
se basear nos métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007,
antes do RTT. O mesmo procedimento deverá ser aplicado à tributação dos juros
sobre capital próprio.
"Há
empresas que usavam os novos critérios contábeis, por receio de serem autuadas,
e acabaram pagando mais impostos do que deviam", diz Luciano Nutti, da
Athros ASPR Auditoria e Consultoria.
Por
outro lado, há companhias que já procuram escritórios de advocacia porque
passarão a ser mais tributadas com a nova orientação da Receita. Para Diego
Aubin Miguita, do escritório Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados,
sobre o reconhecimento da despesa de juros sobre capital próprio ou dividendos,
a nova IN não teria base legal e violaria o princípio da legalidade, além de
contraria o Código Tributário Nacional (CTN). "Há clientes estudando
ingressar com medida judicial para que possam pagar ou creditar esses valores
com base no patrimônio líquido e lucro contábil apurados de acordo com os novos
métodos e critérios contábeis", afirma Miguita.
Em
relação aos juros sobre o capital próprio, o advogado Edison Fernandes, do
Fernandes Figueiredo Advogados, diz que o Fisco deixa claro que aplicará a todos
os contribuintes o que havia decidido por meio da Solução de Consulta nº 106: o
patrimônio líquido a ser utilizado para o cálculo da dedutibilidade é o apurado
com base na "contabilidade fiscal". "Entretanto, isso contraria
o texto da Lei nº 11.941 [que institui o RTT], que manda excluir a conta de
Ajuste de Avaliação Patrimonial (AAP), o que só existe no IFRS", afirma.
Segundo ele, nesse sentido, a IN passa a ser a base normativa para a
fiscalização e autuação dos valores pagos a título de juros sobre capital
próprio desde 2008.
Quanto
aos dividendos, a instrução incorpora a decisão do Parecer da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) nº 202, deste ano. Com isso, os
dividendos poderão ser tributados, desde que superiores ao lucro fiscal obtido
com a aplicação do RTT. "O beneficiário pessoa física será tributado pela
tabela progressiva. O beneficiário pessoa jurídica pela inclusão na base de
cálculo de IRPJ e CSLL. O beneficiário estrangeiro pelo IR na Fonte de 15%, e o
beneficiário em paraíso fiscal pelo IR na Fonte de 25%", diz Fernandes.
Dessa
maneira, haveria base para fiscalização e autuação dos valores pagos a título
de dividendos desde 2008. "As empresas devem se preparar, inclusive
pensando em medidas judiciais. Agora os auditores fiscais estão com fundamento
normativo para lavrar auto de infração sobre a diferença de dividendos",
afirma Fernandes.
A
Receita Federal, por meio de nota, afirma que o RTT determina que para fins
tributários devem ser considerados os critérios contábeis de 2007 e essa
diferença faz com que existam duas contabilidades: uma societária, com os novos
critérios contábeis, e outra para fins fiscais, com os critérios de 2007.
"Essa diferença tem provocado dúvidas na aplicação do RTT. A IN 1.397 visa
esclarecer essas dúvidas", diz na nota.
Apesar
da IN não tratar de ágio, sinaliza mudanças na interpretação do Fisco sobre o
seu valor. Obtido nas operações de reestruturação societária das empresas, o
ágio é o valor pago pela rentabilidade futura da companhia adquirida usado
pelas empresas para abater do IR e CSLL a pagar.
Segundo
Fernandes, ao estabelecer que a empresa deve considerar o patrimônio líquido da
investida, sem a aplicação do IFRS [normas contábeis internacionais] na
avaliação do investimento, a IN causa impacto no valor reconhecido como ágio.
"O impacto fiscal depende de cada caso. Pode ser para mais ou para menos",
diz.
O
que também pode afetar as reestruturações societárias é o fato de a nova norma
deixar expresso que o RTT abrange a empresa investida - controlada ou coligada
-, no Brasil ou no exterior. "Assim, se a empresa investida estiver fora
do país, o RTT será aplicado a ela somente para fins tributários. Isso terá
impacto na tributação quando o lucro gerado no exterior for registrado no
balanço da empresa investidora no Brasil", afirma o advogado. Sobre esse
valor, também deverão ser aplicados os critérios de 2007 para fins fiscais.
Há
dúvidas entre especialistas se a Receita entenderá que as determinações
referentes a dividendos e juros sobre o capital próprio vão valer a partir de
2014, ou se incluem também o período de 2008 a 2013, o que pode abrir espaço para
questionamentos legais. "Se for daqui para frente será uma evolução,
porque resolverá uma dúvida das empresas. Caso contrário, será um
retrocesso", diz o professor de contabilidade Eliseu Martins, da FEA-USP.
(Colaborou Fernando Torres)
Fonte: Valor Econômico